A violência institucional contra a população negra e periférica foi tema de uma das sessões de filmes na última quinta-feira (12) do CachoeiraDoc - X Festival de Documentários de Cachoeira. O evento, que começou na terça (10), exibiu no Cine Teatro Cachoeirano, de forma inédita, o longa Meu Caminho Até a Escola, que traz histórias reais de mães que lutam por justiça por seus filhos e filhas vítimas da repressão do Estado.
Entre os casos, a obra dirigida por Diego Jesus destaca a trajetória da ex-empregada doméstica Bruna da Silva, mãe de Marcos Vinícius, adolescente de 14 anos, que foi morto em 2018 no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, durante uma operação policial. A vítima estava à caminho da escola quando foi baleada nas costas. O caso segue em trânsito na justiça e sem acusados.
Presente na plateia, Bruna, que também assina o roteiro do documentário, assistiu pela primeira vez junto com o público do CachoeiraDoc e participou de um bate papo ao lado do diretor e do produtor Diego Alves. A mãe de Marcos relembrou as cenas mais marcantes e endossou a responsabilidade do poder público no caso.
"Esse filme foi como se eu tivesse parindo meu filho novamente. Fazer o caminho até a escola para mim foi como se eu estivesse dando a mão a ele. O que aconteceu com Marcos não é isolado. As crianças na favela do Rio são tratadas como se andassem armadas e trocassem tiros. Não é assim. O Estado tem o papel de entrar, apreender e apresentar o preso com vida. O Estado, quando entra, pra mirar em um, se tiver que levar 30 pessoas, eles vão levar. Infelizmente, a bala que matou meu filho em 2018, continua matando até hoje", disse.
Egresso do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Diego Jesus, que assina a direção do documentário, comentou sobre os desafios e o processo de produção do filme.
"Esse filme foi um resultado de um trabalho de pesquisa de longa data, Eu tive a ideia de fazer o filme antes da morte de Marcos Vinícius. Ele tinha o mesmo título, e depois de alguns anos tentando captar recursos, aconteceu o assassinato de Marcos e eu senti que era mais que uma ideia, era uma missão que tinha que concluir. O filme começou numa escola pública da Maré, em 2014, quando eu, como coordenador do CinemadaMaré, que é um projeto que eu criei, tive uma situação de, depois de uma reunião com as diretoras da escola, ficar preso lá durante uma operação. E naquele momento em que eu estava deitado no chão com as crianças, esse filme veio na minha cabeça. Por também ter sido estudante de escola pública a vida inteira em uma periferia na Itabuna, eu pensei também que esse filme de alguma forma ia falar sobre essa minha experiência. Mas foi uma experiência muito diferente daquela que eu experienciei, infelizmente, na Maré", comentou Diego.
Após a morte de Marcos, Bruna da Silva se dedica ao ativismo, liderando um grupo de mulheres oriundas das periferias da capital fluminense que cobram por respostas do poder público para os casos de crimes cometidos por autoridades nas comunidades. Ela utiliza como arma de luta e resistência o uniforme escolar manchado de sangue, que o seu filho usava no fatídico dia.
"Foi um processo do luto pra luta. Para que eu chegasse naquele lugar de fazer um trabalho social, eu tive que fazer um trabalho dentro de mim. Eu vi que com a morte do meu filho ainda tinha muito amor aqui dentro, então a luta que nós, mães, fazemos é uma luta com amor. O movimento de mulheres das periferias é um dos que mais cresce no Brasil. Eu, Bruna, não desejo para a mãe do policial que tirou a vida do meu a mesma dor que eu carrego, só que eu carrego uma dor que foi provocada por um alguém", concluiu.
O filme Meu Caminho Até a Escola concorre ao prêmio de melhor longa-metragem do X CachoeiraDoc. O resultado será definido no sábado (14) por um júri técnico. O Festival de Documentários segue até o domingo (15), com uma extensa programação que envolve mostras de cinema, oficinas, rodas de conversas e performances.
O X CachoeiraDoc é uma realização da Ayabá Produtora Criativa e Audiovisual, em co-realização com o selo Pequenas Embarcações, com patrocínio master do Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura. O festival é um programa de extensão vinculado ao Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). O projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar no 195, de 8 de julho de 2022.